Pampilhosa Linda

Espaço de libertação intelectual no âmbito das realidades transcendentes que ultrapassa as amplas margens da ortodoxia, com incursões na antropologia filosófica e na psicognosia, de cariz socio-cultural tenuamente perfumado com poéticas gotículas proeminentemente irónico-macónicas! Bem hajam!!!

sexta-feira, setembro 09, 2005

Dez mil Pampilhosenses



Dez mil Pampilhosenses deixam a Pampilhosa e partem por estrada, de avião, de comboio e por todas as vias navegáveis. A Pampilhosa desertifica-se. Os comerciantes partem também. Como todos os anos alguns sobreviventes esfomeados devoram-se à porta da única padaria que permaneceu aberta.
Duzentos tiveram acidentes rodoviários, quarenta e cinco fizeram uma entorse ao descer as escadas do avião, doze debruçaram-se na janela do comboio apesar do perigo da operação e quatro caíram ao Cértima enquanto seguiam vagarosamente rumo à Pateira.
Doze mil Pampilhosenses saboreiam a volúpia do farniente. Entretanto já distribuiriam oitocentas bofetadas nos respectivos filhos, beberam duas mil cervejas frescas e engravidaram mais duzentas mulheres.
Quinze mil Pampilhosenses foram entretanto assaltados: navios foram avistados a cento e vinte milhas da costa nacional, atulhados com obras de arte e artefactos arqueológicos que seguiam rumo aos Estados-Unidos. O Presidente Bush tomou a palavra em diversas cadeias de televisão: “os E.U.A. não podem ser um depósito da Europa. Em democracia não é tolerável a pilhagem do bem comum; que estes artefactos permaneçam nos baldios por entre silvas e mato? É, de todo, preferível; Qualquer cidadão Iraquiano apanhado em flagrante delito, na posse de objectos de arte, será imediatamente condenado”. Obviamente que os Iraquianos não gostaram. E os Pampilhosenses? Em Colónia Bento XVI declarou que “todo o ser humano deveria ter o direito de possuir pelo menos um lar condigno, com ou sem objectos de arte”. Os extremistas declararam: “estamo-nos nas tintas; rebentaremos os lares dos infiéis, com ou sem objectos de arte”.
Dezoito mil Pampilhosenses deslocaram-se à igreja de Mirandela, em Trás-os-Montes (Portugal), para assistir à missa na companhia de membros do actual executivo governamental. No final da cerimónia os executivos tiveram de abandonar atabalhoadamente o local pela sacristia após os presentes se terem revoltado por terem ouvido o sermão em Mirandês. Em comunicado de imprensa Sócrates declara: “Só sei que nada sei” enfurecendo ainda mais os presentes que julgavam estar em Miranda-do-Douro e tinham, na verdade, confundido o bizarro idioma com o Latim.
Vinte mil Pampilhosenses concordam com uma mulher a presidente da autarquia do respectivo concelho nas próximas autárquicas; “Terá no entanto que partilhar o seu cargo com um homem”. Ah, Pampilhosenses!
Pampilhosenses! O perigo não tira férias! O perigo…eis o inimigo! Tomaram todas as previdências contra o perigo? Anteciparam determinadamente todos os perigos que vos circundam? Pampilhosenses…o fogo circunda-vos! Têm uma das mais importantes estações de caminho-de-ferro de Portugal. Tenham porém cuidado com os atentados (porque acham que transladaram a locomotiva?). Um caixote-de-lixo é o sítio ideal para albergar uma bomba surpresa! Nunca cheguem nem muito tempo antes nem muito tempo depois da hora do vosso comboio. Um Pampilhosense foi abalroado por uma trotinette conduzida pelo filho do chefe da estação da Mealhada. Na Mealhada se as balas vierem da direita tenham sempre atenção à resposta que surgirá da esquerda. Corram lateralmente, rezando; não rezem muito depressa pois não terão tempo para pensar naquilo que dizem; não corram muito depressa porque nos pinhais o terreno é de mato farfalhudo e molhado com resina à mistura é um convite permanente para o deslize. Na medida do possível evitem a estação da Mealhada e os bosques da cidade.
Na altura do Carnaval a Protecção Civil comunicava: se as nossas previsões se vierem confirmar teremos mais uma seca este ano. Confirmou-se a paródia! Pampilhosenses, é a Protecção Civil que vos aconselhava! Viram o inferno na televisão? Sentiram o calor nas bochechas? O inferno morou ao lado e não pensem estar a salvo enquanto não forem trabalhar; os 14 meios aéreos prometidos (comprados ou alugados?) serão apenas para o próximo ano. Divirtam-se, mas com moderação. Não falem com estranhos: há pessoas que mentem muito, desdentadas ou não. Não se aproximem de mesas-de-bilhar ou jogos de malha: poderão ser surpreendidos com algum objecto mortal. Quando comerem sopa de peixe não cuspam as espinhas para o prato; é uma questão de bom senso! Nunca se esqueçam do vosso nome e endereço postal: é uma questão básica! Andem sempre de carteira, especialmente quando vão ás compras.
Em Braga vão à missa, em Bragança vão ás putas, no Restelo não vão à volta: é feio e envergonha-nos. Não leiam livros que provoquem dor de cabeça. Façam boinas de GNR mas apenas com jornais apartidários. Não se esqueçam de tomar os medicamentos. Aproveitem, os que somente agora vão de férias, para engordar um pouco. Aproveitem as férias para emagrecer. Fervam a água antes de a consumirem. Se; se virem uma bomba-atómica é porque estão no Iraque (ou no Irão, ou na Coreia, ou na…?); hum…no Iraque! Se estiverem com São Pedro experimentem a auréola. Se encontrarem Deus é porque chegaram ao céu: se quiserem permanecer façam boa figura e portem-se convenientemente.
Pampilhosenses! Não comam a erva nem as flores do Jardim Municipal: para além de não ser boa dieta provoca alergias e as subsequentes borbulhas; a bicharada é também para ficar onde está, tenham lá paciência! Não saiam de carro-de-bois sem o colete reflector; não estacionem os vossos automóveis em subidas íngremes sem antes verificarem se ele está de facto imobilizado! Pampilhosenses, leiam este espaço regularmente! Pampilhosenses, não ponham os cotovelos nos vossos pratos, não ponham o dedo no nariz, não se cocem desnaturadamente, não cuspam desenfreadamente, não fod…enfim, são coisas que não se fazem em público! Hummm…!
Pampilhosenses, somos seguramente menos de dez mil mas já por cá andamos há séculos. Pensem nisso e noutras coisas e pensem que existe alguém, omnipresente ou não, que nos contempla! Bom regresso.

Baseado no texto de de Ton, Douze millons de Parisiens.

3 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Caro Randulfes

Após alguma espera, já que desde 23 de Setembro que não nos brindava com a sua espirituosidade, constato que foi atingido por uma indelével melancolia outonal!
Há uma estranha saudade nestas remiscências como se fossem irrepetíveis, perdidas num tempo que não volta mais. Quase que apetece trautear ao tempo para voltar atrás e trazer tudo aquilo que se perdeu...
É com expectativa que aguardo as futuras incursões, de preferência noutro tom, ou não há nada na Pampilhosa que o anime?

05 outubro, 2005 21:45  
Blogger Gonçalo Randulfes said...

É com enorme prazer que constato, prezada Inês, o seu interesse por este nosso espaço. Aguardarei os seus contributos e sugestões se esse for o seu desejo! Até breve.

13 outubro, 2005 01:19  
Anonymous Anónimo said...

Caro

Obviamente a Inês colocou o comentário no sítio errado!... Afinal, a pressa é inimiga da perfeição.
Compraz-me todavia a atenção demonstrada pela sua parte. Eu que pensava que já não havia cavalheiros assim!
Quanto ao texto em questão, brilha pelo sentido de humor acutilante. Continue a fazer-me sorrir...

15 outubro, 2005 08:06  

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