Pampilhosa Linda

Espaço de libertação intelectual no âmbito das realidades transcendentes que ultrapassa as amplas margens da ortodoxia, com incursões na antropologia filosófica e na psicognosia, de cariz socio-cultural tenuamente perfumado com poéticas gotículas proeminentemente irónico-macónicas! Bem hajam!!!

sexta-feira, dezembro 23, 2005

3 Contos de Natal




3 Nacos de bolo-rei

Era Natal naquela manhã fria e cinzenta, de chinelos e vestido salpintado da cor dos dias, lenço na cabeça a deixar a fronte descoberta, bigode e barba mesclada de branco desfigurando a feminilidade, passo firme e calmo para mais uma travessia do passadiço em direcção à estação esperando a chegada das frescas noticias transportadas no comboio; talvez o “Século”, o “Primeiro de Janeiro”,” A Bola” o “Notícias”, parar, e ralhar com uma gabardina suja que moldava um corpo estendido de alma ausente num dos planos bancos que se confundiam com a vidraçante verde-escura azulejaria da estação; pegar nos rolos de jornais e fazer a travessia inversa distribuindo-os pelos quiosques, cafés e tascas em redor, acabando a entrega até ao “piolho” dizendo olá ao homem sentado no Freixo com o cão, recolhendo-se por fim em volta da braseira com restos de carvão oferecidos e, perante este lume raro e brando, coser dois ou três saiotes, sacar de um dos bolsos, uma bolsa de pano com pedaços de bolo-rei oferecido no bar da estação, alegremente recordar tempos idos e com bonomia aceitar mais esta noite enquanto aconchega velhos jornais ao corpo que a permitiam isolar do gélido mundo exterior.
-Adeus..., Sofia.

Corpo estendido nos velhos bancos da estação, olhos papudos de álcool, encravados no meio de tufos de sujos cabelos e barba, gabardina cuja cor original seria tarefa para os “ CSI ”; sapatos talvez desencontrados, um sem tacão o outro aberto ao estilo boca de sapo, com os resto de sola a deixarem brotar meias de consistência duvidosa. O corpo, esse, não se mexia, nem se ouvia respirar; por isso por vezes os ferroviários mexiam-lhe no dorso a ver se estava no alcoólico justo sono ou se era outra vez o famoso estado cataléptico que o já fizera, certa vez, acordar na morgue de Coimbra. Mas desta vez, tudo bem: acordou ao som dos ralhetes de Sofia, bocejou, espreguiçou e esfregou os olhos várias vezes e, com eles esbugalhados, fez pequeno e espantado baloiço de cabeça ao encontrar a seu lado um pedaço de bolo-rei. Há muito tempo que o seu estado não lhe permitia ter calendários e a comida não lhe era vital; os seus únicos pontos de referência eram os comboios, as estações de Pampilhosa, Figueira, Coimbra ou Santa-Comba e todas as tascas próximas destas; por isso, tudo o mais era estranho para ele. Por fim pegou no bolo, que quase tragou de uma vez, remexeu nos bolso à procura de moedas e num movimento brusco saltou para dentro do bar à procura do cálice que evitaria as tremuras e o delirium do resto do dia.
-Adeus... , Vitorino.

Deu um passo na rua com o seu fiel amigo de banda, fugindo do frio da pedra calcária da casa; pequeno, no seu coçado e tradicional casaco cinzento, de boina direita enfiada até às orelhas a capsular a cabeça para enganar o Inverno, virou-se para nascente na procura da loja; mas devido à data não se avistava ninguém e a rua soava-lhe ainda mais deserta sem a habitual gritaria das crianças e mulheres do costume. Só, com o seu fiel Jake, resolveu então traçar a rua para poente na procura das outras lojas e de um pouco mais de luz.
Por fim, sentado no Freixo virado para o Coreto com as costas irradiadas da luz do meio da manhã, na sua calma habitual, sacou da sua inseparável navalha, recortou o naco de bolo-rei pelas várias fatias que iria partilhar lenta e deliciadamente com o seu fiel amigo, seu companheiro até ao fim dos dias.
-Adeus ..., Perleta


Para todos os leitores e comentadores um sincero desejo de BOM NATAL

21 Comments:

Anonymous Anónimo said...

é muito estilo de Mark Twain.

24 dezembro, 2005 19:29  
Anonymous Anónimo said...

Caro Randulfes

Que a magia do Natal nos toque sempre
Um beijo e até já

24 dezembro, 2005 19:36  
Anonymous Anónimo said...

É verdade Rand... O Natal mais que a troca é a partilha... As ruas iluminadas e embrulhadas escondem por momentos a realidade que nelas habita...
Tocou-me e fiquei comovido.
Parabéns Rand.
Paremos para pensar e reflectir no verdadeiro sentido no Natal.

Para ti e para todos aqueles que lerem esta msg, um beijo grande e um feliz natal.

Ricardo S.

24 dezembro, 2005 20:03  
Blogger Acácio Simões said...

...figuras típicas que vão desaparecendo ?

Um bom e santo Natal

24 dezembro, 2005 23:35  
Anonymous Anónimo said...

Agradeço e retribuo os votos de boas festas!! Caro Rand. espero sinceramente que continue a surpreender-nos no próximo ano de 2006.

Cumps.

26 dezembro, 2005 14:46  
Anonymous Anónimo said...

Sinceramente adorei os 3 retratos!! Parabéns! É 1 prazer tê-lo enquanto pampilhosense!

27 dezembro, 2005 21:36  
Anonymous Anónimo said...

Gostei da associação que faz a Mark Twaine e creio ser possível reconhecer Dickens (ao jeito de Grandes esperanças ou Oliver Twist)e talvez também uns pózinhos de Vitor Hugo ou Sthendal;claro que não podemos esquecer Melville, mas também poderá ser simplesmente Gonçalo Randulfes

28 dezembro, 2005 13:25  
Anonymous Anónimo said...

Ops,...Dirijo-me ao anônimo, obviamente!

28 dezembro, 2005 14:14  
Blogger Gonçalo Randulfes said...

A pintura efectuada às três figuras da Urbe revela a projecção que podemos tecer relativamente à universiladade do alcance das diferentes descrições: a tradição do Natal mais não é, na contemporaneidade, que uma adequação irritante de valores importantes e fundamentais subjacentes às nossas modernas redes sociais; tudo se vende, tudo se compra; a solidariedade e o amor entraram também nas flutuações de mercado e vêem nesta época festiva as suas acções valorizar substancialmente. Tudo tem um fim, tudo é cíclico; cabe-nos portanto, vasculhando nos nossos mais íntimos e variados recursos, proporcinar uma maior equidade e justiça por todos os outros dias do ano (também foram feitos por Deus, não foram?) contrariando estas hediondas práticas. Acredito, sinceramente, que seríamos todos um grama mais felizes!

Estimada Leitora
Estimado Leitor,

A vida espera-nos.
Até Breve.

28 dezembro, 2005 20:27  
Anonymous Anónimo said...

Ola rand
Vejo que tal como a mim esta terra te diz muito. As raizes são profundas ...
deve ser do micro-clima que só existe em sitios escolhidos como as "aldeias gaulesas" ... acho até que também tivemos alguns druidas por aqui... que achas??
até breve

30 dezembro, 2005 18:22  
Blogger Acácio Simões said...

BOM ANO RANDULFES

01 janeiro, 2006 02:17  
Anonymous Anónimo said...

Juízo...


Mas não muito.


2 0 0 6,

Aqui vamos nós!

01 janeiro, 2006 18:32  
Anonymous Anónimo said...

pampilhosalinda com falta de produtividade ,há 15 dias sem novas!

03 janeiro, 2006 13:25  
Anonymous Anónimo said...

Randulfes, foi passar o ano ao estrangeiro?
Ou será que esta ausencia se deve a mais uma época de exames que se aproxima?

04 janeiro, 2006 12:48  
Anonymous Anónimo said...

Então Rand?
As figuras típicas não se esgotaram. Nem as de ontem... nem as de hoje.
Lembrava só aquela de um director de um jornal que se publicou no nosso burgo que, logo a seguir ao 25 de Abril, usou uma fotografia de uma cerimónia na nossa Junta de Freguesia em que estava o Governador Civil e alguns nossos conterrâneos para os identificar como fascistas.
Porém, um dos visados, homem reconhecidamente sem meias medidas, ao encontrar-se com um familiar desse director do jornal e sabendo que ele também lá colaborava, não esteve com mais quês e pregou-lhe uns bofetões bem sonoros. O pobre desse familiar, sem físico para se defender e sem culpa na difamação, teve de os aguentar... Pior é que esse familiar ainda hoje e já já vão mais de trinta e um anos, está à espera que esse ex-director do jornal saia em sua defesa!...
Figurões!...

05 janeiro, 2006 00:33  
Anonymous Anónimo said...

Randulfe, volte por favor...

06 janeiro, 2006 03:05  
Anonymous Anónimo said...

Randulfes
talvez fosse bom beberes uma garrafa de ...
água COM GÁS!

não sei porquê... veio-me essa ideia á cabeça !!!

com um abraço,
até sempre.

07 janeiro, 2006 14:28  
Anonymous Anónimo said...

Outra garrafita Randulfes ? !

Em quantas já vais ?

Hiiiii... tantas!!!!!!

:-)

11 janeiro, 2006 19:51  
Anonymous Anónimo said...

Truz truz truz...
Onde andas Rand?
Para quando o regresso à ramboia...?

... ... ...

a. b. c.

12 janeiro, 2006 14:50  
Anonymous Anónimo said...

Grande Acácio,

um abraço, coragem e força para o teu blog maroto...!

12 janeiro, 2006 14:53  
Anonymous Anónimo said...

Será que os poetas se deixaram vencer pelos economicistas?!!!
Mau presságio?...
Abrenuncio...
Vai de rés...

13 janeiro, 2006 18:30  

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