Whiter shade of pale

Disse-me que “as noites eram mais frias e mais escuras e que havia muita fome”. Explicou-me que “a vida nesse tempo era muito difícil, trabalhava-se todo o dia e não havia quase nada que comer. Quantas vezes ia-mos para a cama fria com o estômago completamente vazio à espera que o sono nos matasse a fome”. Bebi um gole de chá preto enquanto tacteava uma bolacha Maria, e fui escutando… Dizia que havia bruxas, “eu nunca vi, mas que apareciam umas coisas esquisítas nas encruzilhadas, ai isso apareciam… E então ali ao pé das poças”…Falou-me em lobisomens,” às vezes durante a noite ouviamo-los a uivar ao longe, tinhamos muito medo; os mais velhos diziam que na lua cheia vinham penar para ao pé das casas”… Não era a primeira vez que ali me encontrava a conversar. Por vezes passava por ali e pelo meio de um chá preto ou de hortelã, ouvia histórias do antigamente pela voz de quem as viveu na primeira pessoa. Nesse dia falou-me de um episódio passado há oitenta anos atrás (hoje, há cem): “ ali para os lados da Feira- Velha, numa taverna que lá havia”…Era a história de um rapaz que à procura de melhores condições ingressou nas ferrovias como revisor “um trabalho muito bom, comparado com os trabalhos do campo e das fábricas…E já tinha um bom ordenado”…
Mais uma bolachita…”Por aquela época aparecia por aqui um comerciante que vinha da serra do bussaco, dali da zona de Telhado. Levava produtos hortículas até Aveiro e, na vinda, trazia peixe que vendia por aqui”. Numa fatídica noite de regresso, ali perto da estação, um meliante ter-se-ia aproximado da carroça subtraindo-lhe um saco de feijão e desatando a correr sem deixar rasto. O Pinhal (assim se chamava o comerciante) procurou em vão o ladrão, até que alguém lhe disse que vira um homem com um saco entrar na taverna da Feira-Velha.
Dentro da taverna, o revisor bebeu um copo de vinho (só bebia um) vagarosamente enquanto se inteirava das novidades. Era revisor havia ano e meio, tinha casado e era pai de uma menina, “mas já estavam à espera de outro”. Na despega, gostava de passar na taverna dos pais para os cumprimentar e ver o que era preciso; Bebia um copito e sabia as novidades. “- Parece que roubaram um saco de feijão ao Pinhal... Anda por aí bebedo à procura do ladrão… Diz que o mata, se o apanhar”!…
Por ali ficaram mais um bocadito, talvez até acabar o copo de vinho, com um habitual “até amanhã meu pai”!
No escuro da noite, protegido pelo tronco de uma ameixoeira, o Pinhal ouviu os passos que se aproximavam; Com a pouca luz existente conseguiu distinguir um vulto, conseguiu distinguir um saco… Cego pela lua nova e pela aguardente, saltou detrás da arvore “ladrão, ladrão”! Envolveram-se em luta, uma navalha de barba abriu o pescoço do revisor obrigando-o a deixar cair o saco de roupa suja…
Quando os pais chegaram à rua alertados pelos gritos, já o Pinhal tinha dado pelo seu erro miserável e fugia desesperadamente em direcção à serra.
À medida que ouvia esta história, apercebi-me de que perturbava emocionalmente quem a narrava. Confesso que eu próprio me senti ligeiramente angustiado, por isso quando ela se dirigiu a um armário na sala, eu aproveitei para ir ao jardim saborear um descompressivo cigarro.
Quando regressei, disse-me que “naquela noite o povo juntou-se e foi atrás do assassino, apanharam-no já depois da Póvoa e quiseram matá-lo, mas depois apareceu alguém que o entregou à guarda”.
De seguida mostrou-me uma fotografia, coisa pequena tipo passe, ratada num dos cantos onde o alto relevo de um selo branco mostrava um distinto "Caminhos De Ferro Portuguezes”.
Por ali ficaram mais um bocadito, talvez até acabar o copo de vinho, com um habitual “até amanhã meu pai”!
No escuro da noite, protegido pelo tronco de uma ameixoeira, o Pinhal ouviu os passos que se aproximavam; Com a pouca luz existente conseguiu distinguir um vulto, conseguiu distinguir um saco… Cego pela lua nova e pela aguardente, saltou detrás da arvore “ladrão, ladrão”! Envolveram-se em luta, uma navalha de barba abriu o pescoço do revisor obrigando-o a deixar cair o saco de roupa suja…
Quando os pais chegaram à rua alertados pelos gritos, já o Pinhal tinha dado pelo seu erro miserável e fugia desesperadamente em direcção à serra.
À medida que ouvia esta história, apercebi-me de que perturbava emocionalmente quem a narrava. Confesso que eu próprio me senti ligeiramente angustiado, por isso quando ela se dirigiu a um armário na sala, eu aproveitei para ir ao jardim saborear um descompressivo cigarro.
Quando regressei, disse-me que “naquela noite o povo juntou-se e foi atrás do assassino, apanharam-no já depois da Póvoa e quiseram matá-lo, mas depois apareceu alguém que o entregou à guarda”.
De seguida mostrou-me uma fotografia, coisa pequena tipo passe, ratada num dos cantos onde o alto relevo de um selo branco mostrava um distinto "Caminhos De Ferro Portuguezes”.
"-Olhe, era o revisor quando foi para os caminhos de ferro…Queria que eu fosse professora... Nunca chegou a conhecer a minha irmã"…
22 Comments:
Caro Randulfes
Puxa-me à tristeza logo pela manhã...
Até já
Quem é este jeitoso do vosso bairro?
seria bom relembrar, e dar a conhecer que a feira velha se realizava entre a actual localização da estátua do Dr. ABEL e as actuais instalações do INFANTÀRIO, e ao que julgo a dita taverna é um bocado telhado entre a vedação do infantário e a antiga padaria da Augusta padeira.
Em tempos pensei que o melhor que poderiam fazer da feira velha era instalar aí um jardim público. Hoje, acho que instalaram no local o jardim onde crescem as "flores" mais "bonitas" da nossa terra.
Bem hajam aqueles trabalham no CAPP.
Ora aí está uma fábula acerca de uma classe social emergente surgida com o desenvolvimento dos caminhos de ferro.
O texto lembra-me os ambientes manhosos e nojentos, relacionados com a precaridade laboral de século XIX, característicos de muitas obras de Zola.
Juízo.
fábula?? uma narrativa curta protagonizada por animais irracionais cujo comportamento deixa transparecer uma alusão, satírica ou pedagógica aos seres humanos..? quererá ter dito parábola, talvez??
isto está a ficar bonito !
está está ...
Prezada "Lisistrata",
Discordo completamente da sua tentativa de admoestação em relação ao termo empregado pelo nosso "Bom Cidadão".
Seguindo a raíz etimológica da palavra fábula, do latim "fábula", vemos que esta significa nada mais, nada menos do que falar ("fabulare"). Também saliento "conversação", "narração"; "narração mentirosa ou fictícia"; "historieta", etc..
Essa ideia de que a fábula representa apenas uma alegoria entre animais "irracionais" e humanos é errónea, sendo fruto dum ensinamento menos bom nas "escolinhas" ou até mesmo da falta do útil e indispensável Latim.
Fábula ou párabola tanto faz. O texto é lindo.
Parabéns.
Se a parábola tivesse o acento no sítio certo seria ainda melhor...
Caro "Zeca"
Tenho a dizer-lhe que picardias não são o meu hobby de eleição, considero-as desgastantes e nada proveitosas. "Admoestação"?? Não, prefiro chamar-lhe sugestão. Afinal de contas, encontramo-nos num "espaço de libertação cultural", onde penso que a crítica assume lugar primordial. Agradeço humildemente o seu esclarecimento em relação ao conceito que me foi ensinado nas ditas "escolinhas", contudo mantenho a minha posição e sugiro parábola, termo que mais se adequa, a meu ver, ao presente texto. O caro amigo, em vez de tomar as dores do "comparsa", poderia-me esclarecer afinal a diferença de fábula e parábola?
Respeitosos cumprimentos...
poderia-me?!!! em que tempo e modo é a conjugação?
Mas que rábula!...
Estimado painel,
Observo com prazer que trocam entre vós interessantes considerações relativas a conceitos eesenciais na abordagem da linguagem escrita; é saudável fazerem-no canalizando todos os pontos-de-vista e perspectivas, nesta interesssante troca de opiniões, com vista ao enriquecimento deste vosso espaço.
Até breve.
Mea culpa... O tempo será o condicional, o erro estará no emprego da pessoa. Reconheço-me como ser inacabado que sou. E vós? Defino "rábula": substantivo masculino
1. advogado que embaraça as questões com artifícios;
2. homem que fala muito sem chegar a uma conclusão;
substantivo feminino
1. pequeno papel, em peça teatral;
2. pequena cena de carácter cómico; sketch.
Oriente-se!!
Prezada "Lisistrata",
Não pretendo "tomar dores" de ninguém mas sim procurar algum enriquecimento pessoal. Estando num "espaço de libertação intelectual" penso que as picardias e críticas são sempre proveitosas e saudáveis.
Diferença entre F. e P.
Fábula: vozes do povo, narração sem garantia histórica, assunto mítico, conto, peça de teatro.
Parábola: espécie de narrativa que contém, geralmente, preceito ou doutrina moral.
O meu objectivo basilar não era encontrar as diferenças entre uma e outra palavra ,mas sim discordar da sua perspectiva de que o termo fábula não se adequava ao texto.
Minha cara, nem com greve de sexo desisto desta minha ideia. Só se a discussão durar 20 anos...
não acredito que fiques sem resposta !
:-)
E a Pampilhosa linda... Onde fica?
Compra um mapa...
Se viesse no mapa... Ate comprava
Tens razao. Infelizmente os nossos politicos so se preocupam com os taxos, ainda nao chegaram aos mapas...
Estamos de acordo. Pampilhosa Linda mas sem mapa.
Muito bom!!...
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