Quid est veritas?*

"Há uma coisa que me intriga. Tu és um patife porque está escrito lá em cima, ou está escrito, porque lá em cima sabiam que tu eras um patife? Qual a causa e qual o efeito?"
JACQUES E O SEU AMO, M Kundera
Vou revelar-vos algo que me aborrece profundamente: não suporto incongruências existenciais; promovem em mim bradipepsia. Defendo o mundo como um todo, gerido por forças maiores; por conseguinte, acredito veementemente na nossa capacidade evolutiva (ver texto Reminiscências do livro VII). Empunhar intelectualmente um credo revela, per se, uma opção profundamente pessoal e idiossincrática. Começo, contudo, a ficar farto de substanciar as inconclusivas tertúlias sobre Religião e Fé, com alguns comparsas de longa data, sem nunca obter um mínimo de tolerância na defesa do meu legítimo direito à diferença! Tentei explicar-lhes que esta temática era, para mim, algo de incoercível. Esforço vão! Berraram em uníssono, aparentemente assustados, “quae te dementia cepit, Deus é perfeito!” Pois, que assim seja! Dementes são eles! A partir de hoje, basta! Conversem sozinhos, cambada de abutres. Visivelmente arrependidos tentaram vender-me lendas sagradas, milagres factuais e a eternidade no paraíso enquanto pediam que ficasse! Não acedi ao pedido; continuaram, relativizando de seguida o valor da História nestas matérias; aí bati a porta ruidosamente e segui, enfurecido, o meu caminho. Não há paciência! Certamente concordará, prezado leitor, que, em matéria de Fé, as premissas desvanecem-se tornando, consequentemente, a lógica obsoleta; mero exercício de retórica. Torna-se necessário também não confundi-lo com Religião. Deus não é para mim uma prioridade, não é algo essencial: foi, contudo, uma necessidade histórica! Ora, necessidades temos irremediavelmente bastantes de várias formas e feitios. Estes Pongídeos, apáticos que vivem no seu nicho social, têm outra percepção; nada contra! Contudo, no emaranhado dos seus argumentos, ninguém me explicou questões tão triviais como se Deus é assim tão perfeito porque não tem um nome original? ou que é Deus a mais que a cafeína, os anticoagulantes ou o próprio sexo, em determinadas situações da nossa vida? Nada; remetem-se invariavelmente ao silêncio! Desde tempos remotos que civilizações colmatam a justificação dos seus mistérios com credos, profetas e invariavelmente com Deus; o Senhor assume assim várias morfologias definindo, no fundo, as nossas mais básicas angústias existenciais. Deus foi, na sua essência, o maior ansiolítico produzido pelo homem. Com uma vantagem aparente: não tinha contra-indicações. Mas daí a tomá-lo às colheradas…
* Que é a verdade? pergunta Pilatos angustiado a Jesus (São João, Evangelho, 18,38)
* Que é a verdade? pergunta Pilatos angustiado a Jesus (São João, Evangelho, 18,38)
9 Comments:
Quem ????
Nao gostei deste post... é um bocadinho desenxabido !!!
Mas continua que eu gosto de ler o q escreves.
Essa questão é de facto essencial. É erro grosseiro confundir Religião com Deus!
Juizo.
Fica a pergunta.?
Sem Homem , existe Deus?
Fica o facto.
O Xamanismo tem a idade do Homem.
Sandeman o teu comentário é pertinente!Contudo, sesomos obra dvína, somos imperfeitos à sua imagem e estamos destinados (conceito religioso) a viver num sistema solar defeituoso (apenas uma estrela).
Juizo.
Caros
Fica aqui a lição:
De acordo com Cícero a origem etimológica da palavra Religião, vem de relegere, reflectir atentamente sobre algo que suscita interesse.
De acordo com Atêncio, deriva de religare, colocar a realidade que nos parece sem sentido numa lógica significativa.
A Religião tem a ver com a ligação de diferenças numa unidade totalitária, que adquire sentido a partir duma fonte. Há uma dependência do Homem face a seres metaempíricos, dependência essa que comporta respeito, compromisso e fidelidade.
A Religião define-se a partir do Mistério e da experiência do Sagrado (realidade ontológica superior que se configura de diferentes formas nas várias religiões, exprimindo-se através de hierofanias.
A Religião é uma atitude face ao Sagrado, baseado na Fé ( fides, confiança), implica reconhecimento e aceitação de uma realidade suprema de que se depende e que transcende a nossa existência.
Em última análise, o Homem religioso espera a Salvação (salutem), que mais não é do que a plena realização do ser humano.
O que interessa o nome? Os fundadores? As figuras? O livro?
Subjaz aqui um princípio mais importante: a busca de significado, um estar a caminho permanente, a prossecução da melhoria contínua, a perfeição...
Sou avessa aos dogmas, ao inquestionável. Admito, contudo, que possa existir algo incomensuravelmente maior do que eu.
Mas o Homem precisa de uma base de estabilidade, é impossível apreendermos cabalmente tudo o que nos rodeia, é por isso normal o recurso a este tipo de artifícios. Por mim tudo bem. Preocupa-me, isso sim, o facto de muitos se contentarem com tão pouco, não ousarem sair do casulo. É preciso decifrarmos os enigmas, destruirmos os mitos sob pena de estagnação.
Randulfes,
Custa-me senti-lo tão agitado, tome um Kompensan...
Até sempre
Gonçalo…
Acho que te perdeste nas tuas próprias palavras, de facto Deus tem um nome original e único que é “DEUS”, as diferentes religiões é que lhe foram dando outras designações. Para alem do mais procuras “logica” no abstrato o que é um erro da dimensão do universo. Quanto às colheradas estamos de acordo. Tem matado mais ao longo dos tempos do que qualquer praga conhecida.
Prezado Barbeiro, não acha demasiada proximidade etimológica entre o os substantivos "Deus" e "Zeus"? Por conseguinte, haverá relação directa? Temo em crer que sim.
O conceito "lógica" é utilizado, neste contexto, na sequência de raciocínio dos comparsas. A minha opinião é essa mesmo: "em matéria de "fé" não há premissas(...)"
Estimada Inês, o seu sapiente comentário é inteligente e pertinente. A sua leitura histórica é enriquecedora mas acredito, contudo, que o futuro traduzira uma pluralidade de leituras e concepções do real inacessivel durante séculos devido a factores de várias ordens.
Até breve.
A conjuntura internacional actual tem contribuído em muito para uma alteração da nossa percepção do factor religioso. Enquanto que nas sociedades ocidentais se vive um período de afastamento da Igreja e se assiste cada vez mais à secularização dos costumes, no resto do mundo o sentimento religioso, por vezes extremista e fundamentalista, fervilha.
Esta é, no meu entender, a melhor oportunidade para que a Igreja Católica se reaproxime dos fiéis e procure colmatar as muitas lacunas da sua conduta. Tal significa uma abertura, que não me parece que se dê com Bento XVI, relativamente a questões como a contracepção, a interrupção voluntária da gravidez, o reconhecimento do papel da Mulher na estrutura eclesiástica.
Do ponto de vista da teoria dos conflitos internacionais ( e tendo em conta o que o Barbeiro referiu), está na altura de abandonar a ideia de Religião como factor de conflito. A Religião é um factor entre outros e que acrescenta maior complexidade aos conflitos, não sendo uma causa per se. A Religião é, e pode ser cada vez mais, um factor de resolução de conflitos, veja-se a este propósito a acção do Papa João Paulo II, que procurou através da Oração de Assis, desenvolver o diálogo intereligioso e a aproximação intercivilizacional. Também a acção de organizações religiosas como a Comunidade de Santo Egídio ( que operou em Moçambique, mediando o conflito entre a Renamo e a Frelimo) constitui um bom exemplo das actividades positivas desenvolvidas nas últimas décadas.
Quanto ao seu comentário, Randulfes, não nego que haja leituras plurais deste assunto. É um tema controverso e que envolve sentimentos e crenças profundamente enraizadas. Obviamente que as mentalidades não se alteram de um dia para o outro, é um processo moroso e doloroso.
Evite cair no radicalismo, para que as suas opiniões sejam respeitadas também tem que respeitar as dos comparsas. Mesmo que não concorde com elas. Fica-lhe mal, tendo em conta o homem tolerante que diz ser!
Aguardo novidades, de preferência noutro tom! Não querendo fazer deste blog os discos pedidos, será possível presentear-me com uma nova viagem pela sua terra?
Até já...
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