Pampilhosa Linda

Espaço de libertação intelectual no âmbito das realidades transcendentes que ultrapassa as amplas margens da ortodoxia, com incursões na antropologia filosófica e na psicognosia, de cariz socio-cultural tenuamente perfumado com poéticas gotículas proeminentemente irónico-macónicas! Bem hajam!!!

sexta-feira, abril 14, 2006

A Paixão de Judas


É pois no Domingo de Páscoa que se repete uma das mais velhas tradições de cá da terra. Há pelo menos cem anos que movimentos nocturnos não identificados produzem uns bonecos manhosos (os famosos bonecos de Judas), que numa alusão ao maléfico personagem, atribuem características condenáveis a meia dúzia de elementos da comunidade. Tem sido assim ao longo dos anos. Um determinado conjunto de pessoas que se regem por determinados valores, tentam corrigir (ou denegrir) a imagem de um também determinado personagem que se rege por valores diferentes. No fundo, fazem o mesmo que os clãs rivais do Bronx, embora com outros métodos e proporções. Não são utilizados objectos perfuradores ou cortantes (apenas machados e serrotes, mas é só para cortar as figueiras), usando-se apenas umas simples folhas de papel com umas simples quadras que até nem referem o nome do visado, embora lhe façam um retrato tão perfeito que toda a gente fica logo a saber de quem se trata. Enfim, digamos que a tradição é realmente muito bonita mas o formato carece de tolerância e não parece visar uma confluência entre os diferentes pontos de vista dos diferentes “espécimes” da comunidade. Quem fica sempre com a pior fama é o desgraçado, o traidor, o bode expiatório, o maléfico Judas.
Não é do meu estilo, mas este ano o apetecido evento surge ao mesmo tempo que as noticias “reformistas” da comunicação social que referem a importância do recentemente divulgado evangelho de Judas e da coincidente (contra - reformista?) noticia de que aceder à Internet pode ser considerado pecado. Sendo assim, lembrei-me de deixar aqui duas ou três coisitas acerca do assunto e que passo a expor:
Digamos que nos seus primórdios o Cristianismo não era exactamente como hoje se apresenta. Estava em evolução e em construção e por isso existiam distintas correntes e diferentes pontos de vista sobre a matéria. Digamos que nem toda a gente pensava da mesma maneira, por isso foi importante a criação dos textos canónicos para a obtenção de uma uniformidade de pensamento e perspectivas. Do mesmo modo outros textos foram analisados de forma diferente e aproveitados por outras facções, os chamados textos apócrifos. Dentro destes, encontram-se os evangelhos gnósticos (os gnósticos eram uma facção cristã com algumas diferenças dos católicos, onde a mais proeminente é a forma de atingir a salvação, para os católicos seria através da fé, para os adeptos da gnose seria através do conhecimento). Foi por isso com expectativa que se procedeu ao estudo dos textos gnósticos encontrados no Egipto em 1945 numa compilação denominada Códice e na qual se encontra o tal evangelho de Judas. Segundo as comunidades que conceberam este documento, Judas não teria sido um traidor, mas sim o personagem com maior amor demonstrado ao mestre. Segundo esta versão, foi a pedido do próprio Jesus que judas se encarregou de apontar o local onde Ele se encontrava, a fim de que fosse aprisionado e se cumprissem os mandamentos, tendo por isso obtido um estatuto de grande importância perante Jesus. Ter-se-ia suicidado não por arrependimento, mas sim por pena e amor ao seu mestre.
Não sei qual das versões estará mais próxima da realidade, nem é neste momento importante; no entanto talvez não fosse descabido de vez em quando lembrarmo-nos de que existem outras maneiras de ver as coisas. Afinal de contas, se um meu semelhante tiver dificuldades nos negócios e cair numa situação de grandes dificuldades financeiras, será justo (ainda por cima) pregar um boneco numa figueira com uns textos alusivos ao acontecimento, enchê-lo de bombas e deitar-lhe fogo às dez da manhã, numa ridícula queima de bruxas em praça pública (como já aconteceu)?
Se calhar só vai ajudar a enterrar mais o desgraçado que já só tem a cabeça de fora! Em minha opinião talvez fosse melhor não interferir com a liberdade e o espaço das outras pessoas, afinal não podemos pensar todos da mesma maneira e todos estamos sujeitos a juízos de valor.
E pronto, acho que esta meia dúzia de linhas é suficiente para assinalar o espírito ”Pascoalício”.Vou aproveitar o dia de amanhã para me despedir do bacalhau e deliciar-me com uma bela posta de chanfana e claro, fazer figas para que o Randulfes não apareça pregado no coreto…
Bem, mas o que importa é que passemos todos uma boa Páscoa!
E, já agora, pensem lá um bocadito nisto…

4 Comments:

Blogger Sentinel' Alerta said...

Para mim, reminiscências da noite escura!
Ou será que ainda não se fez dia?...
Para outros, são os valores culturais a preservar?!...
Posicionamentos...

15 abril, 2006 06:07  
Anonymous Anónimo said...

Caiu a máscara?!

20 abril, 2006 19:34  
Anonymous Anónimo said...

Caro Randulfes,
Pensei, mas não será este espaço tambem uma outra forma de queimar de judas ?
Estou-me a lembrar do Cavalo 20 !

26 abril, 2006 16:12  
Anonymous Anónimo said...

ola tudo bem?
pelo blog vejo que é pampilhosense, assim como eu :)
vou fazer um trabalho académico (2º ano, animação sociocultural na cidade da guarda] sobre a queima dos judas na minha terrinha, pampilhosa :)
tem mais alguma informação sobre esta tradição?
obrigado
o meu email é marisa_cristina@hotmail.com
qualquer informaçao relevante por favor diga-me!
Obrigado e desculpe o incomodo!

05 abril, 2008 21:31  

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