Pampilhosa Linda

Espaço de libertação intelectual no âmbito das realidades transcendentes que ultrapassa as amplas margens da ortodoxia, com incursões na antropologia filosófica e na psicognosia, de cariz socio-cultural tenuamente perfumado com poéticas gotículas proeminentemente irónico-macónicas! Bem hajam!!!

sexta-feira, outubro 17, 2008

Le Premier Cri *




"Ninguém ainda sabe se tudo apenas vive para morrer ou se morre para renascer"
Marguerite Yourcenar



Existem desígnios que ultrapassam, inequivocamente, a vontade própria de alguém que, não raras vezes, chama a si toda a liberdade do mundo ignorando que essa mesma liberdade se encontra ausente da sua própria vontade, enquanto ser, e do seu próprio desígnio enquanto ser existente na sua essência. Esta ausência inicial advém logicamente da importância relativa da nossa não-existência, desta ausência de personalidade jurídica pensante, e não invalida que nos demoremos uns instantes sobre matéria tão sagaz e volátil. O que me motiva uma vez mais a partilhar, estimado leitor, consigo esta tribuna está em relação directa com a última obra documental de Gilles de Maistre e com o significado que atribuo à Arte como expressão suprema da ostentação humana: a plenitude criativa.
Le Premier Cri é uma magnífica leitura antropológica sobre a maternidade e traça um perfil desapaixonado mas envolvente sobre a essência da vida, sobre a fragilidade do ser, sobre a animalidade brutal que habitualmente anestesiamos sob as nossas camisas adornadas com botões de punho. Este documentário cinematográfico é uma tela incrivelmente real e insuportavelmente humana sobre a violência do nascimento, sobre a beleza infinita dos afectos, sobre a magnificência da força motriz da humanidade.
Assume-se também como uma leitura plural sobre a singularidade de cada cultura e da própria relação que essa mesma cultura estabelece com a vida. Com elementos estéticos que projectam as dimensões real e transcendental através de vários povos, em várias latitudes, a obra de de Maistre concede uma leitura emotiva e envolvente nos diferentes cenários antropológicos propostos, permitindo concluir, não sem algum regozijo, que perante a incessante massificação e pressão para a homogeneidade cultural a humanidade conserva uma abordagem tão heterogénea num acto que corresponde, simplesmente, ao derradeiro esforço feminino na afirmação do seu poder inato sobre a própria vida.
Gosto da vida como ela é embora a prefira como eu a sonho.

*O Primeiro Choro