Pampilhosa Linda

Espaço de libertação intelectual no âmbito das realidades transcendentes que ultrapassa as amplas margens da ortodoxia, com incursões na antropologia filosófica e na psicognosia, de cariz socio-cultural tenuamente perfumado com poéticas gotículas proeminentemente irónico-macónicas! Bem hajam!!!

segunda-feira, março 31, 2008

A Estranha Dízima de Randulfes


Devido aos bons préstimos de Randulfes ao serviço da coroa, foi-lhe concedido pelo Rei o lugar de Pampiloza mais os vales e montes circundantes, porém não ficaria isento de pagar ao tesouro uma dizima de 3 contos de reis todos os anos referente a tal terra, a pagar sempre no mês de Abril.

Mas os tempos mudaram e devido aos descobrimentos, muito da força útil de trabalho aventurou-se no mar espalhando o gene tuga nos 5 continentes, abandonando os campos e o seu cultivo. Tornou-se assim o país num deserto, restava apenas uma faixa entre o vale do Tejo e o Sado onde havia desenvolvimento com pontes estradas e portos, onde navios num imenso frenesim traziam ouro, especiarias e escravos, levando cereais e mão-de-obra qualificada, tal era a força da emigração que todos os primos de Randulfes (gente importante e empreendedora) foram para a América, por isso se chama à crise financeira que hoje por lá graça de “Crise dos Sub-Primos de Randulfes”.

A cosmopolita Lisboa dividia-se em duas ,uma com os seus sumptuosos palácios de fidalguia subserviente e parasitária dos favores do Rei, do outro uma cidade enorme e suja, com prédios de 6 e 7 andares todos amontoados e sem regras de saneamento ou de planeamento, a ladroagem, a prostituição e o caos urbano reinava, mas ali não se sentia crise pois sobejava ouro e pedras preciosas trazidos de África, Américas ou Índia. O que faltava mesmo em qualquer um dos lados era Pão, Vinho ou Azeite, tal tinha sido a purga das gentes do campo.

Randulfes, que era sábio e sagaz, pediu ao Rei para que a dizima fosse paga em bens alimentares em vez de dinheiro, e na mira de cativar famílias para o lugar, concedeu e sub-alugou vinhas, searas e olivais de Pampiloza, conseguindo assim fixar um conjunto de 100 famílias com a obrigatoriedade destas em Fevereiro e Março trazerem excedentes dos seus produtos agrícolas e encherem um tonel, uma pia e um arcão que ficariam no celeiro da casa de quinhentos que serviria para pagar a décima à coroa.

E os novos habitantes assim fizeram, cultivaram as terras e foram enchendo a pia o arcão e o tonel, até que no mês de Abril seguinte, Randulfes foi provar o vinho, o azeite e a farinha antes de levar tais produtos para Lisboa . Estranhamente o vinho parecia agua, o azeite tinha uma consistência mais ténue e amarela, e de certeza que o que estava no arcão não era farinha.

Foi então que mandou chamar o seu amigo Boticário de Midões, homem de ciência, habituado a conhecer , provar e comprovar a natureza dos produtos, que o ajudaria certamente a descobrir que raio de substâncias estavam armazenados no seu celeiro.

Foi então que o Boticário lhe disse que não havia ali milagres ou feitiços, porque o que estava no tonel era de facto agua, o que estava na pia era óleo de girassol, e o que estava no arcão era gesso e pó de talco, e que tais produtos só ali estavam porque cada uma das famílias tinha pensado que se levassem um almude de agua para o tonel, um cântaro de óleo para a pia do azeite ou um alqueire de talco para o arcão, ninguém iria dar pela diferença, a terra era fértil, mas gente com tal esperteza e finura era de se lhe tirar o chapéu, era maior a riqueza matreira de tal gente do que a terra poderia dar.

Com estes factos perdeu Randulfes alguns dos favores do Rei ,ficando o Boticário de Midões como Administrador da Segurança Alimentar e Económica da Pampiloza (A.S.A.E.P.).

Quanto ao resto das famílias do lugar, descendentes somos, e com outros descendentes nos cruzamos todos os dias,alguns dos quais até escrevem em Blogues.

*Estória Randulfiana tendo como inspiração um conto de Jorge Bucay.

sexta-feira, março 21, 2008

Firme e o Partir das águas

Das zonas mais produtivas da Pampilhosa sobressaem a zona do Pereiro e a das Ribeiras, ambas serpenteadas pelo Cértima, rio este que permitia aguentar em regadio as sementeira de Abril até á altura das vindimas ou seja o milho, o trigo a batata, abóbora ,feijão etc.

Era comum nos anos quarenta a setenta o partir das águas, acto este, que consistia em fazer represas no Cértima de forma que entre vizinhos consecutivos a jusante fosse garantido água a todos, em pelo menos meio dia a dia e meio de água (dependendo da área de cada um) em cada duas luas e isto independentemente de ser de dia ou de noite, é claro que a água do Cértima não era muita, mas o rio nesses tempos tinha um fio de agua que corria durante o ano inteiro. De dia todos respeitavam a lei da partilha, mas quando calhavam os turnos da noite alguns agricultores relaxavam a partir das 11 meia-noites e iam embora para casa deixando a presa orientada para poço ou cisterna, ou deixando o fluir da água pelas regadeiras no campo, ou seja a rega de pé.

Sob mira da ganância de obter melhores produtos eram nestes momentos que alguns agricultores mais afoitos, acercavam-se das represas durante as 2 ou 3 da manhã e desviavam-nas, reorientando-as para os seus terrenos, antecipando assim ou voltando a regar o que era seu.

Havia um cão na família, de nome Firme, que fora educado a nunca largar o dono, ou melhor, o casaco do dono e a tornar-se agressivo quando alguém se aproxima-se do dito casaco, como estão a ver, quando calhava uma água partida durante a noite, o meu antepassado deixava um pau ou a enxada com o casaco e virava-se para o cão dizendo fica aqui firme! Firme.

O cão lá ficava junto ao casaco sendo certinho que ninguém mexia na represa, permitindo nessas noites a rega por inteiro.

Toda esta estória serviu para lembrar que antigamente havia consciência da importância da água e da necessidade da sua partilha como factor de sobrevivência e pelo facto das leis de então serem sábias equânimes .
Mas saindo da estória e entrando na história, hà milhões de anos atrás, no período Jurássico a natureza deixou-nos como feliz herança um lençol imenso de água que vai do vale poente da serra do Buçaco, Pampilhosa e Botão que se estende a sul e poente entre Condeixa até Montemor-o-Velho, circundando a poente-norte por Cantanhede, Olhos-de-Fervença e Anadia constituindo a segunda maior reserva hidrológica nacional subterrânea. (ver foto)

Basta verificar este ano a quantidade de agua com que o Certima nos presenteou para reflectir-mos do problema próximo que será o da falta deste precioso liquido , dentro de 15 anos a agua doce será mais cotada que todo o ouro e petróleo dos dias de hoje.

O que me assusta é facto das pessoas e sobretudo os políticos não terem a consciência deste bem comum que é o das águas subterrâneas, pensando erradamente que no subsolo existem as leis de propriedade que subsistem à superfície como seja , o meu poço ou o meu furo é só meu e tem mais agua que o teu ,ou o famoso:e daqui não tirarás uma gota de agua senão... ou se queres agua tens de a pagar.

Pois é meus caros patrícios , não é o leitão,o pão ou o vinho que nos sustentará no futuro.Temos uma riqueza imensa que corre debaixo dos nossos pés ,não nos lembramos dela,mas provavelmente será dela que num futuro bem próximo nos ajudará a sobreviver neste pequeno oásis.