Pampilhosa Linda

Espaço de libertação intelectual no âmbito das realidades transcendentes que ultrapassa as amplas margens da ortodoxia, com incursões na antropologia filosófica e na psicognosia, de cariz socio-cultural tenuamente perfumado com poéticas gotículas proeminentemente irónico-macónicas! Bem hajam!!!

segunda-feira, outubro 31, 2005

Velhos Íncolas



Faço, não raras vezes, um exercício que consiste em elaborar um cenário de futuro para, desta forma, tentar inocentemente antecipar o meu. Sou, inequivocamente, inspirado pelo aglomerado de vigorosos que reúne sistematicamente na romântica Rua do Casal entre o mictório secular e a renovada tasca da Ana. São por vezes aos magotes, escrupulosamente alinhados pelos bancos ou encostados à parede, embrenhados em profundas conversas existenciais. Reclamam-se deficiências, opina-se a vida alheia, fazem-se contas à vida e, entre gargalhadas efusivas, agendam-se brincadeiras. A vida deteriorou-lhes fatalmente inúmeras coisas mas reservou-lhes, imaculada, a boa disposição e a criatividade ardil conferida pelo tempo a um punhado de eleitos. Soube à boca pequena, por um membro do restrito clã, de actividades subtilmente efectuadas pelo grupo nas imediações do referido local: são promovidas, de tempos-a-tempos, incursões na área circundante do Lar do Centro de Assistência Paroquial com o objectivo de empreender tardes descontraidamente jocosas. Cercado o edifício, divertem-se como loucos fazendo caretas e gracejos aos seus semelhantes encarcerados no interior do asilo. Estes, por sua vez, têm reacções díspares: os acamados, amiúde, defecam e urinam em todos os sentidos com as hilariantes figuras vindas do exterior; os mais activos abandonam o dominó, a renda ou a novela e suscitam a desordem alterando, acto contínuo, o bom funcionamento do Centro para júbilo pessoal de cada participante da urdidura; as auxiliares, desesperadas, indagam a origem da balbúrdia nunca conseguindo reconhecer os seus argutos mentores. Estes, vendo-as dirigir-se para o exterior, dispersam em segundos contrariando as vicissitudes de anos de duro trabalho e as artroses assumidas. Retiram-se então sabiamente, cada qual para os seus aposentos, na esperança que amanhã ou depois se volte a repetir a jovial graçola.

sexta-feira, outubro 28, 2005

Tributo a K.M.P.



As personagens e as estórias seguintes são ficcionais , pelo que, qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência.

K.m.p. personagem mítico e figura maior dos anos 70 a 80. Era na altura um jovem trintão, baixo mas atlético, que vivia p'rás bandas dos lazaretos, actual Lagarteira. Tinha como particularidade física, fizesse chuva ou sol, camisa desabotoada até ao umbigo, colarinhos estilo asa delta-maxi e profusão de pelos super-encaracolados como se fossem o prolongamento da sua farta carapinha ruiva, num peito sempre proeminente como balão prestes a rebentar; um verdadeiro homem-carpete que rematava o manequim com a calça de ganga ou bombazina super justa a fazer realçar a esturgidade (era o nome que as fêmeas de então chamavam ao celebérrimo chumaço). Era uma delícia vê-lo dançar nos 3 P, no scorp, na sede do futebol, no salão dos bombeiros ou no Express pois a indumentária era sempre aquela; além de possuir vigoroso e saltitante pé de dança que quase sempre afugentava, vai-se lá saber porquê, o material feminino (talvez com medo da proximidade do alazão lhes comprometer a virgindade que ainda era um tema tabu nos anos 80). Falatório frequente, sobretudo das suas vizinhas, era o facto quando ia para o quintal da casa onde vivia com os pais, as galinhas e a cabra fugirem dele com tenacidade. Outro facto importante das suas galinhas era o destas serem muito depenadas de traseira: mistério dos X files ou somente alterações genéticas? Consta-se da altura que por vezes, ou talvez muitas vezes, ia para zonas de lavoura afastadas da povoação e sempre que apanhava uma mulher sozinha, independentemente da idade desta, abeirava-se com as calças descidas e com o falo aguçado donde resultava ser corrido à paulada, à forquilhada ou à pedrada, pelo menos por aquelas que o açoitavam. O sui generis da questão é o facto de vir nos manuais que os exibicionistas raramente se apresentam erectos ( como diria o Porrinhas – uungghh…! aah... home' balente!). No big-saloon da moda de então, existia a um canto uma máquina de flippers com a particularidade de raramente fazer tilt, para gáudio de todos os jogadores. E eis que um dia k.m.p. (vulgo k.), visivelmente etilizado, pôs-se a jogar na dita máquina sempre a meter moeda e a chamar-lhe nomes fazendo movimentos pélvicos contra a machine. Resumo e moral da estória: foi a 1ª vez que se assistiu a uma forma tentada de violação de robot (robotofilía ); mas alguém me chamou a atenção do facto de ele ter metido moeda antes do acto o que reduzia a questão ao quadro de lenocínio de material informático e mecânico. Pela inexistência ainda hoje de matéria penal, quer na Constituição, quer no direito cívil ou penal para tais actos: Habeas corpus para k.m.p.!

quinta-feira, outubro 27, 2005

O menestrel entoa o madrigal


Bom dia Sr. encenador! Entre, faça favor; sente-se, venha imitar o Horror mas não limpe o sangue da batalha”.
A julgar pelos teus olhos, estava longe de acreditar que fosse sonho, ilusão ou Arte; estava longe de crer que não pensavas como eu. Encontrei-te numa cena: conheci-te no acto seguinte (e lembrar que tudo começou com três inocentes pancadas). Esta febre, este fanatismo…tudo se resume a um certo pai, ao respectivo filho e a um qualquer espírito supostamente santo! Sábios dementes aqueles que escreveram esta peça, este cenário, estas personagens. Meras cópias do passado, cansado, de tantas vezes repetido, esmagado e adulterado. Ah! Como é bom saber que com três trapos nos mascaramos habilmente e nos disfarçamos em máquinas de serviço; e como é terrível sentir que, incongruentemente, obtemos prazer com isso! Não o sente, estimado espectador? Os intervalos são para mim tortura, queda dura no gelo colorido das televisões, nos monótonos fait-divers e na sempre mais próxima página da necrologia, perto do fim; os intervalos são por isso os gritos mais silenciosos da coruja que muito poucos pressentem. Para ti são tudo o que não escrevo: lembra-te que a lã que te embeleza não é tua mas do pastor; toma cuidado pois nem sempre quem te dá sustento te dá um centímetro de Amor. Assim acabarás tu, pobre poema: no fim da oração.

terça-feira, outubro 25, 2005

24h. in Pampville


8:45 A.M.
Acordar
Abri a janela. Apanhei a frescura da manhã, respirei fundo e com o mais genuíno do meu Indian Spirit proferi em alta voz:
Hoje é um bom dia para apanhar um pifo!

9:00 A.M.
Bom dia Vietname
Liguei a televisão e logo me desiludi; desliguei-a porque, invariavelmente desde a morte de Salazar, nunca mais ouvi boas notícias; e como a Leste nada de novo como tem acontecido nos últimos 100 Anos de Solidão... Desde a revolta bolchevique que as únicas novidades foram Another Brick in the Wall e recentemente Crónicas de uma Gripe Anunciada trazidas, ao que julgo, pelas cegonhas (esta fez-me recordar a minha educação sexual e a vossa também confessem lá!). Entretanto vieram-me à memória palavras, há muito sábias, que dizem: “de Espanha nem bom vento nem bom casamento” quanto mais a Avian Flu qual Diabo no Paraíso trazendo A Peste na bíblica prenúncia do Apocalipse, now.

9:17 A.M.
Defecar
Permite-nos contactar de forma íntima com os elementos, a pestilência, O Perfume, a cor, as anacrónicas e aleatórias formas, enfim, um acto redentor que permite introspecção de forma a reduzir-nos à nossa verdadeira condição de objecto de passagem e de fluxo da matéria mas, contudo, permanência do Spirit pois o breve percurso digestivo dos átomos permite-nos obter a energia necessária para escrever, por exemplo, estas baboseiras; na natureza nada se perde, tudo se transforma (E=mc2) e ás vezes a merda brota por todos os lados mesmo daqueles onde menos se espera (ver processos políticos e económicos em curso).

9:40 A.M.
Beber a bica
Dirigí-me ao saloon para tomar, com sofreguidão, a dose mínima de cafeína que hà muitos e longos anos me dependêncía; Maldita Cafeína, qual droga milagreira que me permite sair do limbo, abrir os olhos e finalmente conseguir tirar boas e apetecidas Fotofinish estilo a Câmara Indiscreta das curvilíneas indígenas autóctones.

10:00 A.M.
Bricolage
Enquanto a mente vagueia por West Side Story que, além do anticiclone dos Açores (sempre presente no meu imaginário), possui agora as últimas do admirável mundo novo cheias de rajadas e de uns pingos Made in USA a que o raio dos média teimam em chamar de furacões com nomes de pessoas e tudo; mas vocês sabem como são os americanos com os seus individualismos e a mania das grandezas.

10:55 A.M.
Ir ao Pampilhosa Linda
Na ânsia de ter mais comentários, numa atitude típica de um verdadeiro Marketeer, ou seja, a estúpida mania de ver as reacções do mercado a ver se a coisa pegou ou não e, pasme-se, a positiva constatação: "há para aí mais gente faminta de contar umas larachas, de pensar, com ou sem dor, e soltar o Indian And Cowboy Spírits impondo a Ordem Natural das Coisas".

11:10 AM
Hobby
Como o próprio nome indica: fazer o que gosto. Não sei se sabem mas os Hobit da Trilogia do Anel derivam desta mania do Rowling nos momentos menos alucinogénicos.

13:20 P.M.
Almoçar
Claro está: numa terra de boa pinga calham-me, feliz e frequentemente, umas carnes apetitosas e suculentas cheias de bom e legítimo colesterol porque um dia a ciência ainda me há-de dar razão, tal como o Herói do ano 2002; pois toda a gente sabe que passar fome não é doença, mau mesmo é não ter apetite.

15:00 P.M.
Passear
Passear na Pamp. no Luso ou Coimbra, ler A Causa das Coisas ou a Crónica dos Bons Malandros, fonte de inspiração deste blog, ouvir bom Jazz e também Dylan, Beattles, Doors, Cohen, Vinícius; estar por aí e dar atenção à famelga, ao estilo do Primo Basílio.

18:10 P.M.
Merendar

Com um ou outro velho amigo, trocar impressões acerca de Doze Contos Peregrinos; dois dedos de conversa, três dedos de legítimo tinto dos alquéves, ainda em parte mexido a pés; fazer a Anatomia de um Golpe no presunto, sacar da broa e do queijo, falar da Física da Metafísica e da Quântica e ter o Princípio da Incerteza que Hiroshíma não foi aqui, mas poderia ter sido assim tivesse falhado o Dia D ou não tivesse existido Ponte Sobre o Rio Kwai e, na certeza da nossa sobrevivência, tanto como o Nasci para Nascer de Neruda; e vai mais um trago enquanto se faz a noite até que uma chata Purple Rain nos obriga ao recolhimento na Cabana do Pai Tomás permanecendo a conversa entre a Filosofia na Alcova e o Mito de Sísifo.

20:15 P.M.
Jantar
Ou melhor: angústia para o jantar; hoje calhou peixe frito. Fora o metralhar televisivo que usa e abusa da pobre Condição Humana, tornando insuportável a fome, a Peste as Mãos Sujas, as guerras e todo um conjunto de sofrimentos alheios e falsamente distantes que nos ajudam a encarar, com um enganoso encolher de ombros, o nosso pequeno mundo das prestações, dos impostos e do raio das tarefas agendadas como se viver fosse pior que O Processo.

21:20 PM
Bica #2
Ou melhor dizendo: descafeinado After Nine porque assim poderá ser melhor a noite; pode ser que tenha de tragar a Beauty Blue Drop e as palpitações serão menores . Como é bom o sexo depois dos Fifty em estilo Alguém tem que Ceder, e já agora, o nome de Pampilhosalinda só pode advir das muito belas e simpáticas raparigas que perfumam o ambiente com belos e esculturais corpos, embora por mim, passem como cão por vinha vindimada; mas que importa? Já tive a minha Belle Époque. Como são boas as cachopas da nossa terraPampilhosalinda!

22:25 P.M.
Ler
Agora deu-me para investigar pela literatura neo-maçonica portuguesa: ”Por linhas tortas“ de João de Deus Pinheiro e “O maçon de Viena" do famoso arguido Braga Gonçalves. Aquele maluco do Dan Brown pegou no mote e é vê-los a crescer e multiplicar-se: os livros e os ideaís também. Coitada da Santa Inquisição! Temo mesmo que não tardará muito e teremos por cá um novo Torquemada.

23:40 P.M.
Sexo
Drogas e Rock-Roll ; não necessariamente por esta ordem. É bom sabermos que ainda estamos vivos e é, de facto, fascinante perceber que toda a conduta humana foi dirigida onto e epistemologicamente para a sobrevivência e reprodução; existem pessoas que vivem uma vida inteira pelos seus Wharolianos 15 Minutos de Fama ou só talvez para breves segundos de Petit Mort, segundos de verdadeira ascese e vida no além .

00:05 AM
Dormir
Não sem antes fumar um cigarro, acompanhando o wisky e ver as últimas na Web; fechar os olhos e sonhar em Morrer em Las Vegas. E agora, prezado leitor, com o mesmo som do encerrar do familiar Messenger : “
boa noite”.


N.R.
Esta minha incursão anglo-saxónica tem que ver com o facto de, nas escolas primárias da urbe ainda não figurar o ensino do inglês; ao que parece, segundo os responsáveis, ainda não houve tempo. Como é bom não ter tempo quando é preciso tempo.
Porquê Pamp ville? Porque aquilo que mais me irrita quando indagado sobre as minhas origens é o facto de frequentemente obter como informação: “ Pampilhosa aah! a da Serra !“ situação esta que me obriga a esfregar o mapa nas fronhas do néscio interlocutor obrigando-me a falar em Coimbra ou, pior ainda, na Mealhada da qual os Papuliformes já dizem: “Aaah! a do Leitão“; fica portanto a sugestão: ou se muda definitivamente o nome para Pampilhosalinda ou então para o nome mais netável* de “Pamp ville”.
Confesso que vacilei entre este título e o de "24h. na vida de Randulfes". Como reparou trata-se de um texto que permite, ao prezado leitor, conhecer melhor este personagem real e ficcional nos dias de hoje.
Se acha que esta n.r. é longa então vejam as sebentas de direito do Código Civil e direitos reais, os tais da definição da coisa e do coiso. end, The.
*um neologismo emergente

segunda-feira, outubro 24, 2005

A Abantesma


É frequente, ainda hoje, ver a nossa praça pública polvilhada de personagens que despertam em nós espanto e curiosidade. São figuras com características inimitáveis, com aspectos peculiares, que as tornam imortais no âmago das nossas recordações. Lembro-me particularmente de uma cujo nome nunca soube. Sempre descalça, usava sistematicamente uma combinação castanho-sopa-de-feijão que encarcerava incrivelmente uma enormidade de banhas; estou em crer que teria mesmo uma reserva de gordura que lhe permitiria viver durante décadas em total independência gastronómica! No meu imaginário identificava-a como a Abantesma. Era horripilante observar tal criatura, do alto do seu discreto mas requintado bigode, urinar de pé em plena rua e perceber, conclusivamente, a génese do seu aroma nauseabundo. O cheiro era uma mescla de estrume ressequido com suaves notas de caril e açafrão. Ficava, com os comparsas de infância, longos momentos a observar a animalidade da criatura; em abulia, divertíamo-nos a captar o brilho ténue do líquido amarelado escorrer vagarosamente pelas suas pernas iântinas atingindo, gota-a-gota, o alcatrão. É com enorme nostalgia que recordo, ainda hoje, a Abantesma; recordo aquelas tardes em que permanecíamos na expectativa que ela passasse, num rasgo de indecência, das excreções líquidas às sólidas. Infelizmente, nunca chegou a acontecer. Creio eu!

sábado, outubro 22, 2005


Auto da Tasca
Fragmentos do quotidiano


Figuras:

CAROLINA·BÊBADO·VELHOTE

Esta farsa (excerto), a que chamam auto, foi realizada na Vila de Pampilhosa na Era de 2005 anos.

Argumento

Começa a declaração e argumento da obra. Primeiramente, no presente Auto, se figura que, no ponto que acabamos de expirar, chegamos subitamente ao balcão da tasca o qual per força nos há-de suster. A sua dona, Carolina, permanece imóvel ao balcão quando entra uma vil figura fedorenta em estado muito crítico:


CAROLINA Oh minha nossa senhora,
CAROLINA que bebedeira trazes!
O Velhote, vendo aquela triste figura, pergunta:
VELHOTE Ouve lá, sofres de gazes?
VELHOTE Vais mas é já porta fora…
BEBÂDO Benho só matar o bicho,
BEBÂDO há muito não escorropicho!
Ordenando à dona da tasca:
BEBÂDO Beja lá se não demora!
CAROLINA Oh meu pobre miserábel
CAROLINA tu é só nódoas de Binho!
BEBÂDO Sujaram-me p'lo caminho…
O Velhote, visivelmente incomodado:
VELHOTE Mas que cheiro insuportável…
BEBÂDO Cala-te oh Belho marreta
BEBÂDO ou amasso-te a corneta!
VELHOTE Olhe, dê-lhe água potável…
CAROLINA Hoje só tenho bagaço.
BEBÂDO Que seja! Benh' ó copito!
VELHOTE Com este cheiro vomito!
Agarrando o Velhote de rompante:
VELHOTE Ai! Ui! Não me aperte o braço...
CAROLINA Não t’armes em Balentão!
BEBÂDO ‘Inda julgas ter tesão…
CAROLINA Largue-o, homem, dê-lhe espaço.
Dirigindo-se à Carolina, em tom baixo:
VELHOTE Vou-me embora. Este animal
VELHOTE fede muito mais que um porco…
BÊBADO Ouça lá, qu’é do meu troco?
CAROLINA Toma lá! Vai pr’ó curral!
O Velhote, no exterior, falando sozinho:
VELHOTE Mas que terra glamorosa
VELHOTE esta bela Pampilhosa
VELHOTE coração de Portugal!

terça-feira, outubro 18, 2005

Quid est veritas?*



"Há uma coisa que me intriga. Tu és um patife porque está escrito lá em cima, ou está escrito, porque lá em cima sabiam que tu eras um patife? Qual a causa e qual o efeito?"

JACQUES E O SEU AMO, M Kundera

Vou revelar-vos algo que me aborrece profundamente: não suporto incongruências existenciais; promovem em mim bradipepsia. Defendo o mundo como um todo, gerido por forças maiores; por conseguinte, acredito veementemente na nossa capacidade evolutiva (ver texto Reminiscências do livro VII). Empunhar intelectualmente um credo revela, per se, uma opção profundamente pessoal e idiossincrática. Começo, contudo, a ficar farto de substanciar as inconclusivas tertúlias sobre Religião e , com alguns comparsas de longa data, sem nunca obter um mínimo de tolerância na defesa do meu legítimo direito à diferença! Tentei explicar-lhes que esta temática era, para mim, algo de incoercível. Esforço vão! Berraram em uníssono, aparentemente assustados, “quae te dementia cepit, Deus é perfeito!” Pois, que assim seja! Dementes são eles! A partir de hoje, basta! Conversem sozinhos, cambada de abutres. Visivelmente arrependidos tentaram vender-me lendas sagradas, milagres factuais e a eternidade no paraíso enquanto pediam que ficasse! Não acedi ao pedido; continuaram, relativizando de seguida o valor da História nestas matérias; aí bati a porta ruidosamente e segui, enfurecido, o meu caminho. Não há paciência! Certamente concordará, prezado leitor, que, em matéria de , as premissas desvanecem-se tornando, consequentemente, a lógica obsoleta; mero exercício de retórica. Torna-se necessário também não confundi-lo com Religião. Deus não é para mim uma prioridade, não é algo essencial: foi, contudo, uma necessidade histórica! Ora, necessidades temos irremediavelmente bastantes de várias formas e feitios. Estes Pongídeos, apáticos que vivem no seu nicho social, têm outra percepção; nada contra! Contudo, no emaranhado dos seus argumentos, ninguém me explicou questões tão triviais como se Deus é assim tão perfeito porque não tem um nome original? ou que é Deus a mais que a cafeína, os anticoagulantes ou o próprio sexo, em determinadas situações da nossa vida? Nada; remetem-se invariavelmente ao silêncio! Desde tempos remotos que civilizações colmatam a justificação dos seus mistérios com credos, profetas e invariavelmente com Deus; o Senhor assume assim várias morfologias definindo, no fundo, as nossas mais básicas angústias existenciais. Deus foi, na sua essência, o maior ansiolítico produzido pelo homem. Com uma vantagem aparente: não tinha contra-indicações. Mas daí a tomá-lo às colheradas…

* Que é a verdade? pergunta Pilatos angustiado a Jesus (São João, Evangelho, 18,38)

Vida, amanhã aparece a horas!


Com a aproximação da votação do futuro Orçamento de Estado, agendada para o início da semana, retirei-me inteligentemente para um idílico burgo no sopé de uma lindíssima serra beirã. Esta incursão furtiva para a província residia em múltiplas causas de ordem emocional: segundo as minhas previsões este não seria um início de semana tranquilo. Confirmou-se! Os soberanamente eleitos, basicamente, reduziram a despesa pública de uma forma geral e iluminaram-me o futuro com mais algumas incertezas: pagarei no futuro os vícios que outros ostentaram no passado; o Sistema de Segurança Social está à beira do colapso e a sua Lei de Bases é um fraco livro de anedotas. Razões mais que suficientes para arrasar o comum mortal. Retirei-me para a província e, naturalmente, lucrei com isso! Nesta fuga furtiva levei comigo companhia; quis partilhar o momento, trocar velhas experiências. Descontraídos, fomos deixando fluir o tempo onde ele simplesmente não existe. O prazer em estado bruto! Ao serão preparei-lhe um beberete; sugeriu-me uma tertúlia. Acedi de imediato! Na sequência da conversa, os dois pela noite dentro, disse-lhe que a admirava, que me tinha surpreendido; esboçou apenas um sorriso humilde sem proferir qualquer palavra. Falámos de felicidade e trocámos angústias com a intimidade espontânea de dois velhos amigos. A existência é demasiado curta; vamos celebrar! Aconselhou-me prudência: são dois ou três os passos entre a fortuna e o abismo; mas que importa a quantidade quando a própria vida está em jogo? Que importa a Arte, a Ciência ou a Técnica? Para quê jogar aos dados quando temos o futuro? Estava definitivamente exausto. Recostei-me confortavelmente na velha poltrona a sentir o suave cheiro a café que invadia o espaço e acendi mais um cigarro; ela franziu o sobrolho, como de costume, mas continuei a saboreá-lo vagarosamente. Quis, naquele instante, reter o momento por segundos; quis, egoisticamente petrificá-lo e ser a sua própria essência. Os meus pensamentos tornaram-se suavemente desejos e sensações. Enquanto adormecia permaneceu pacientemente a meu lado, atenta a qualquer movimento, a contemplar-me os suspiros; a Vida não dorme. Adormeci com a certeza de que tínhamos encontro marcado para o dia seguinte muito embora ela me tenha ensinado a não ter muitas certezas; adormeci, inocente e feliz, com vontade de nunca ter um dia que lhe dizer adeus!

quarta-feira, outubro 12, 2005

Vintiéme chevalier





Fonte do Melo – estória I

De certa indigente e idosa moça, que em tempos idos teve como horizonte o que avistamos.
Dona e possuidora de profunda e crónica ferida, quase sempre envolta em gaze, que faria desmaiar o mais bravo dos cirurgiões, calcorreou kilometros de comboios de mão estendida, facto que lhe permitia ter uma qualidade de vida pobre mas rica em Baco e Dionísio.
Claro que a ferida era o seu sustento já que naqueles tempos não havia reformas para pobres ou agricultores.
Nos comboios ostentava a perna e estendia a mão para assim tilintarem uns cobres e, sempre que se apeava, dirigia-se às tascas da outrora aldeia a dizer mal da vida, queixar-se da perna e beber um copito (em nada diferente do que hoje fazemos); falava com homens mais novos mas afoitos e de preferência, com os poucos dentes que lhe restavam, mordiscava uns ossos ou o seu preferido: carapau em molho escabeche.
Nas suas demandas pelos comboios, em outras paragens e em pleno Inverno da vida, conseguiu amancebar-se com um simpático, baixo e cromável velhote que passou a acompanha-la em todas as suas voltas e decisões.
Onde vivia arranjou uma jovem que, com alguma periocidade, lhe trazia água da Fonte do Melo já que a sua perna não lhe permitia grandes aventuranças; até que num certo e quente dia de Verão a dita moça teve que fazer o percurso da nobre fonte até à casa da nossa personagem mais de vinte vezes pois a única resposta que ouvia da idosa, no meio dos gritos no quarto com o simpático velhote, ser: – Oh minha rica filha, despeja esse cântaro aí e vai lá buscar outro que agora não te posso atender!
Moral da estória : enquanto houver água, haverá vida!

terça-feira, outubro 11, 2005

Adágio


Há coisas que, pela sua essência simbólica, preenchem inequivocamente o imaginário colectivo de todo um povo. São fábulas maravilhosas de lugares que identificam, reavivam e perpetuam todo um conjunto de lendas, peripécias e aventuras fabulosas. Estas, quando partilhadas e aceites por uma mesma comunidade, transformam-se, com o suave e pautado avanço do Tempo, em património e assumem-se definitivamente como Mito. Os Animistas definem-no como “expressão natural do pensamento humano numa fase primitiva do seu desenvolvimento”; para mim, caro leitor, são pura fantasia, puro deleite! O Mito é todo um conjunto de sensações olfactivas e visuais, um delicioso arrepio na lembrança da sensualidade do gesto que se perdeu. A Fonte do Melo é, para muitos conterrâneos, tudo isto e muito mais: foi início e fim de inúmeras loucuras, foi o abrigo eterno de ousadas tentações, foi a doce descoberta da volúpia do prazer! Eram momentos infindáveis a aguardar a frescura da água que, do Pinhal da Gândara, atravessava a Terra do Linho até às nossas bocas sedentas de desejo; foram momentos mágicos aqueles serões à deriva pelo bosque, embriagados pela beleza natural do espaço em tempos de inocência! Daria tudo para sentir de novo o cheiro a acácia naqueles seios atrevidos. Inolvidável! Dou por mim subitamente, no alto da minha varanda, a acender mais um cigarro; vejo ao longe o Fernando que se aproxima trôpego, denunciando mais um dia de trabalho; “como por instinto divino o Fernando voltou-se e viu-me. Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Pessoa!, e o universo reconstruiu-se-me com nostalgia e lembrança".

domingo, outubro 09, 2005

Reminiscências do Livro VII


Domingo de manhã, dia de eleições!
Dou a minha colaboração cívica, vou ao "saloon" da povoação beber um cafézinho, ouço as conversas, constato que a actualidade Dominical extravasa os domínios do futebol!
Era a política meus senhores que hoje pela manhã dominava as conversas, com uma naturalidade e convicção próprias de quem sabe o que diz. Falava-se dos troca -tintas, "esses gajos que só querem é tacho pá" e "és tu que lhes pagas o ordenado" e por aí fora...
Porque um que era comunista agora era socialista, outro era PSD agora é PS "é uma vergonha pá", outro ainda que fora do Pampilhosa a Sorrir e agora estava a virar para o PSD... Enfim uma panóplia de casos, situações e argumentos que prendiam a atenção de todos os presentes, incluindo alguns que como eu estavam fora da conversa, mas estupefactos com a sabedoria e eloquência dos intervenientes.
É certo que nos habituámos a ouvir pela voz do povo que "quem nasceu burro nunca pode ser cavalo" ou numa versão mais tolerante "cepa que nasce torta, tarde ou nunca se endireita" porém, parece existir uma tendência progressiva para substituir estas duas máximas populares por um explícito "só não muda quem é burro".
Há indicadores que sugerem que com o tempo, a última poderá sobrepôr-se às duas primeiras, mas isso só poderá ser aferido quando obtivermos um universo estável cujos extremos não possam desvirtuar a média e o desvio padrão. Por enquanto vamos contando com um universo influenciado pelas ocasiões, pelos vapores etílicos e pelas avitaminoses outonais. Também sabemos que (pelo menos por enquanto), sempre que algum burro tentar mudar de posto será alertado com a devida veemência, pois se nasceu burro, deve morrer burro (deve voltar para a caverna e deixar as coisas como estão).
Parece-me que na próxima manhã de eleições não vou ao "saloon". Talvez invoque Jorge de Sena, talvez me levante cedo e vá tomar café à Grécia, talvez numa esplanada... talvez com o minotauro...
Um abraço a todos!!!

sábado, outubro 08, 2005

Vamos a votos?


Neste próximo domingo, os noticiários não vão abrir com os resultados da Primeira Liga, com a malta em greve (acho que as greves são proibidas aos Domingos e feriados) ou ainda com a famigerada Casa Pia. Não! Vamos, pelo contrário, ter que gramar com sondagens, prospecções e análises político-sociais de malta que antes preferia estar de chispe e entremeada a derreter ao sol no nosso querido barlavento, tal e qual os restantes 500 mil alfacinhas, ou melhor, como os restantes 500 mil que lá trabalham (Lisboa tem o Terreiro do Paço e as sedes sociais das empresas, habitantes, deve ter menos que nós).
Gostaria de lhe pedir, caro leitor, uma breve e conjunta reflexão:
Primeira questão: Se existem mais de 4000 freguesias com orçamento médio de salários dos cargos políticos e senhas de presença na ordem dos 1000 euros/mês e 300 sedes de concelho que devem custar 15 a 20.000 euros/mês só em salários dos nossos queridos autarcas, ficamos com a sensação de estar a dar o "ouro ao bandido" sem querer ofender este último. Ou seja, votar é uma atitude altruísta e de mecenato do anónimo cidadão que permite, fundamentalmente, proporcionar um complemento de salário ou de reforma aos políticos (coitados, às vezes não é esse o único dinheirito que entra lá em casa).
Segunda questão: Segundo um estudo recente em Portugal, quanto maior a corrupção instalada maior é o desenvolvimento económico (o social não interessa) de um Concelho; logo, um convite a todos os que se inserem neste padrão de comportamento: por favor candidatem-se ao nosso concelho, sem medo!
Como bom pampilhosense que sou quero que se lixe tudo o que se passa a sul dos alqueves e a norte do boa viagem. Vamos mas é falar dos muitos problemas essenciais que assolam a nossa mui-estimada urbe!
Numa breve e diagonal leitura dos programas partidários, salta ao ouvido a retórica: "criação", "requalificação", "remodelação", "apoio" e "dinamização", "ambiente", "iniciativas", "arranjo" e todo um conjunto de palavras bonitas que felizmente, só voltaremos a ler e ouvir daqui a quatro anos se as coisas correrem de feição; Como o dinheiro não é deles mas, evidentemente, de todos nós, é uma fartura; ele até há gajos que prometem uma piscina e um campo de futebol com pista de atletismo e outros que prometem um campo de futsal! É pá, são os maiores! Eu, enquanto praticante de ténis e do jogo da malha, sinto-me marginalizado e triste; e quanto aquela de um "Dumper" novo para a junta... É pá, fica aqui a sugestão: façam um contrato-avença com o cigano de modo a usar o cavalo e a carroça! É mais ecológico e além disso o macho ainda ajudará na remoção das ervas daninhas das estradas em vez de usar o habitual herbicída.
Agora, gostaria de vos deixar em legado um conjunto de iluminuras mais luminosas que as cinzentas e pacatas candidaturas existentes:
Para quando a implosão do Chalet-Suísso da Vila-Rosa e das velhas Fábricas da telha? Seriam, definitivamente, acontecimentos mediáticos que dariam uma imagem mais moderna e actual à nossa Vila!
Quando teremos mais rotundas (porque a Mealhada está cheia delas e nós só temos uma)?
Para quando uma ciclovia para o Canedo, um metro de superfície para a Alta e para o Alto?
Quando e onde um "skatódromo", um "malhódromo" e o (há muito desejado) "queimódromo"? Enfim, um sem numero de ideias e desejos por realizar tal e qual os nossos queridos candidatos anseiam.
Bons votos e que a sorte vos acompanhe!

segunda-feira, outubro 03, 2005

Vieille Canaille*


Há dias assim: um tipo sai da cama remela em riste, projecta um belo bocejo e, em pleno acto de abandono intelectual na varanda a transbordar de sol, um pardal qualquer cága-nos em cima sem pré-aviso; nós, desprevenidos, não condescendemos o ignóbil bicharoco e pensamos, enraivecidos, que existem experiências na vida do comum mortal cuja intensidade e peculiaridade chegam a alterar a percepção que elaboramos de tudo o que nos rodeia. Vêm-nos então à memória noites luxuriantes de prazer e volúpia, cheiros intensos de almíscar e baunilha, colcheias e semibreves em conjugações divinas: horas infinitas de deleite e indescritível gozo; tempos em que tudo era por nós preposterado. Discutiam-se citações, propunham-se religiões e, no espaço de um cigarro, reinventávamos os nossos mundos. Eram infindáveis as tertúlias sobre a utilidade prática do prepúcio, sobre a acuidade dos Quirópteros, sobre a complexa simetria do Universo! Num conjunto de prosaicas intervenções com diferentes sabores alcoólicos permanecíamos abandonados a nós mesmos, numa poeira em expansão, ao sabor da nossa corrente. Tempos, na realidade, velhos tempos! A divagação não nos faz esquecer o ignóbil chilreante mas permite-nos afirmar que estes foram, indiscutivelmente, tempos em que o tempo nunca fora a tempo de nos alcançar.

*Expressão francófona cujo sentido é A Malta